Se tiverem comentários, literalmente é só falar.







quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Concursos Literários


Lendo o blog Todoprosa da Veja.com, cujo titular é o escritor e jornalista Sérgio Rodrigues, autor de - entre outros livros - “Elza, a garota” e “Sobrescritos - 40 histórias de escritores, excretores e outros insensatos”, percebi que o texto a seguir dialoga com a proposta deste blog. Ei-lo:

Concursos literários e o Princípio da Incerteza - 17/01/2011

Sempre recusei convites para ser jurado de concursos literários (a brincadeira da Copa de Literatura Brasileira era até agora a única exceção). No fim do ano passado, porém, por razões de amizade, disse sim a uma dessas propostas e logo me vi enfiado até o pescoço na tarefa de ler, e ler criteriosamente, quase mil contos em menos de dois meses. A experiência não é algo que eu deseje a ninguém, nem a – eventuais, ainda que ignorados – inimigos.

Das coisas que esse trabalho tem me feito pensar, a mais inquietante é uma espécie de equivalente literário do Princípio da Incerteza de Heisenberg, aquele que enuncia a impossibilidade de medir ao mesmo tempo a velocidade e a posição de uma partícula subatômica, uma vez que a medição altera a realidade observada.

De modo análogo, poderíamos formular aqui o Princípio da Incerteza de Rodrigues, que enuncia a impossibilidade de medir talentos em concursos literários. Se você é um jurado ético e preocupado com a justiça dos seus pareceres, como não se angustiar com os efeitos danosos que exercem sobre sua fruição de leitor o ritmo acelerado e nada natural do trabalho, o embotamento advindo da pura quantidade e a irritação defensiva em que qualquer pessoa de bom senso se fecha quando é exposta a doses maciças de prosa de baixa qualidade?

Nada a ver com a angústia da subjetividade, esta é parte do jogo. Estamos falando de um Heisenberg em negativo: o que a medição altera aqui não é a realidade, mas o próprio observador. Nesse estado alterado de consciência, o pavor do jurado que leva seu trabalho a sério é o seguinte: “Se me cair nas mãos agora um novo Onetti, um Calvino ignoto, um Cheever da roça, serei capaz de reconhecê-lo?”

Faz-se todo o possível para que sim, claro. E com certeza há talentos genuínos no meio da multidão de vozes que me cerca no momento. Mas o que mais me surpreendeu nessa experiência foi descobrir que, diferentemente do que sempre me disseram, a grande maioria dos contos não é péssima, nem mesmo chega a ser de todo ruim.

Os trabalhos que podem ser descartados após a leitura de umas poucas linhas são menos freqüentes do que eu imaginava.

A maior parte se acotovela no enorme vestíbulo entre o muito ruim e o muito bom, exigindo do leitor profissional que chegue à última linha antes de dar seu veredito.

É trabalho de gente que obviamente ama a literatura e leu a sua cota, não de paraquedistas.

O que pode ser uma péssima notícia para o Princípio da Incerteza de Rodrigues, mas faz parecer um pouco menos incerto o futuro literário do país.”