Se tiverem comentários, literalmente é só falar.







quarta-feira, 28 de julho de 2010

Alba


"Pego a calcinha, a camiseta de baixo, a ceroula, a calça, as meias e o blusão de lã, um por um de dentro do saco doado pelo hospital e os coloco num balde com muito sabão. O cheiro de ácido úrico impregnado em cada centímetro de tecido somado há dias abafado é forte.

Deixo de molho cerca de quarenta horas.

Espremo bem a água suja de cada peça e coloco na máquina, para lavar novamente.

Uma pessoa que sofre AVC se urina.

Ninguém divulga. Ninguém ensina.

Só tive coragem desses atos quando ela começou a apresentar sinais de melhora: o braço e a face esquerda; a ida ao banheiro; se expressar ao telefone; conseguir ler o jornal; a memória.

Tinha certeza que o lixo era o destino.

Decorrido vinte dias, passo as peças a ferro, uma a uma, dobrando com cuidado.

O cheiro de amaciante impondo-se ao ambiente.

Esse será o presente que darei a minha mãe, hoje à noite, quando a vir entrar no restaurante andando sem a ajuda de apoio, alimentando-se com as próprias mãos e conversando com lucidez, na comemoração de seus 86 anos.

E sem fraldas.

(Maria Valéria de Lima Schneider)"