"Pego a calcinha, a camiseta de baixo, a ceroula, a calça, as meias e o blusão de lã, um por um de dentro do saco doado pelo hospital e os coloco num balde com muito sabão. O cheiro de ácido úrico impregnado em cada centímetro de tecido somado há dias abafado é forte.
Deixo de molho cerca de quarenta horas.
Espremo bem a água suja de cada peça e coloco na máquina, para lavar novamente.
Uma pessoa que sofre AVC se urina.
Ninguém divulga. Ninguém ensina.
Só tive coragem desses atos quando ela começou a apresentar sinais de melhora: o braço e a face esquerda; a ida ao banheiro; se expressar ao telefone; conseguir ler o jornal; a memória.
Tinha certeza que o lixo era o destino.
Decorrido vinte dias, passo as peças a ferro, uma a uma, dobrando com cuidado.
O cheiro de amaciante impondo-se ao ambiente.
Esse será o presente que darei a minha mãe, hoje à noite, quando a vir entrar no restaurante andando sem a ajuda de apoio, alimentando-se com as próprias mãos e conversando com lucidez, na comemoração de seus 86 anos.
E sem fraldas.
(Maria Valéria de Lima Schneider)"